Retrotopia, gerações e nostalgia

Era alguma sexta de 2011, voltei todo encasacado da escola, como todo adolescente alternativo andar sem casaco era impensável, cheguei em casa suado, tomei um banho, almocei e deitei na cama, dormi das 14 até as 17, acordei, fiz um café forte, abri o Civilization V e fui jogar com Portugal ou alguma nação marítima, só terminaria o jogo as 4 da manhã de sábado.

Era alguma sexta de 2017, cheguei da faculdade era 00:00, tinha pique o suficiente para ir encontrar os amigos num bar, amanhã ia ser sábado mesmo, desci do ônibus já pegando meu copo, uma cerveja, duas, logo apareceria algo diferente, um corote de sabor, outro corote, eram 3 da manhã eu estava bêbado e feliz, logo eram 5 e eu só queria que amanhecesse para voltar para casa.

Era alguma sexta de 2019, cheguei no bar e vi todas as pessoas que eu podia jurar que eram minhas amigas, todos estavam ali junto comigo e eu podia também jurar que seria eterno, eram 2 da manhã e eu já estava bêbado, eram 4 da manhã e eu já pensava como fazer para voltar pra casa, eram 8 da manhã de sábado, eu estava em pé, fazendo um café e um ovo mexido, eram 9 da manhã de sábado, eu estava em pé embaixo das traves pronto para defender quaisquer chutes.

Tudo isso é uma nostalgia incrível, é o perpassar dos anos que faz com que fique melhor, todos nós parecemos querer voltar ao passado, onde éramos felizes, onde as coisas funcionavam, onde tudo estava bem, mas até este ponto é comum a nostalgia, nós parecemos sempre olhar ao passado pensando que era melhor, isso impacta qualquer geração mais velha e o famoso “na minha época”, mas até onde essa nostalgia coletiva vai?

Retrotopia é um conceito de Bauman que eu só descobri recentemente, admito que não li o livro inteiro e este texto nem sequer se propõe a explicar e destrinchar este conceito, mas um resumo pode ser feito.

A retrotopia é uma falta de crença no futuro, ela explica como nós não conseguimos imaginar que nossos filhos terão vidas melhores que a nossa, nossa sociedade não sabe como moldar um futuro melhor e se abstrai lembrando de um passado dourado, é para este passado que queremos sempre voltar e quando nos damos conta, passaram-se os anos e nós queremos voltar para um lugar onde estávamos pensando em voltar, isto é, a retrotopia te faz sempre achar o presente algo ruim e que antes tudo era melhor, é uma saída mental fácil para que acreditemos que o mundo sempre muda para pior, ela é injusta quando coloca nossa mente atual em momentos passados, é claramente impossível pensar como estamos pensando agora naquela época.

A retrotopia funciona quase que como uma nostalgia em grupo e de certa forma ela impacta quase tudo, o Brasil hoje tem que assistir perplexo um pedido de volta da Ditadura Militar com o argumento de “no meu tempo as coisas eram melhor”, talvez a única forma de vencer isso seja o pensamento positivo e a esperança, mas ao mesmo tempo como podemos exigir esperança de uma geração como nós que de fato não conseguimos nem mesmo nos entender?

Longe de mim estar criticando a geração atual, mas é que claramente estamos perdidos, somos a soma de muitos problemas psicológicos não resolvidos, em maior parte por culpa de nossos pais, mas a verdade é “Apesar de temos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.