O brilho da utopia

Kira Yagami
5 min readJul 21, 2022

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Quando eu ainda cursava o segundo ano do ensino médio lembro que li um trechinho do livro de história sobre socialismo utópico e socialismo científico, eram trechinhos bem simples e pequenos sobre o que essas duas expressões significavam na Inglaterra do século XIX e apesar de simplificar em todos os sentidos, a discussão se saia sobre o que era utopia e como ela se dava. Essa ideia da utopia, de algo que nunca vai vir me parecia tão idiota de se quer existir como algo palpável, afinal, para que serviria um lugar inalcançável e impraticável? Para que eternamente fiquemos pensando que as coisas pudessem ser diferentes e todo os dias ganhássemos uma frustração quando aquela utopia não se concretiza, como se fossemos destinados a estar buscando o impossível, tal qual o porco do minecraft que busca a cenoura, ou o tal do macaco que procura a lua e só encontra o reflexo dela na agua e se afoga buscando aquilo, isto é, a utopia me parecia uma tortura, um eterno lembrete de que estaremos fracassando, neste caso do socialismo, como uma sociedade.

Convenhamos que a lenda do Rei Macaco sobre a lua é sobre se cegar por um objetivo deixando de lado todos os demais acontecimentos por aquilo, pode ser aplicado em qualquer coisa que seja, desde a pré-história até a sociedade de 2022. Se você busca algo acima de tudo e faz de tudo por aquilo, certamente aquilo vai te consumir e em algum momento você vai se afogar buscando a lua, mas aqui cabe a crítica ao sistema de ensino brasileiro, da maneira com que a ideia da utopia foi ensinada em sala de aula, ficaria melhor se usássemos a palavra onírico.

Onírico é um adjetivo que caracteriza as coisas que se assemelham a um sonho, como situações onde se pensa estar sonhando ou que só podem ser explicadas por estarem dentro de um sonho onde as regras da realidade podem ser torcidas e retorcidas. Eis aqui a diferença entre sonho e utopia e também a confusão mental que eu havia feito aos 16 anos de idade.

Um sonho é por si só impossível, é como se fosse feito para ser matematicamente errado, propositalmente errado, como sonhar com pessoas com cabeças de animais, ou como sonhar com coisas que não deveriam falar e estão falando como objetos ou algo do tipo, o sonho é como se fosse uma piada malfeita, uma soma de “serás?” e “e se?” mentais que você acessa quando dorme. A Lillia diria que “Toda noite os humanos fazem um feitiço sempre que adormecem”, mas na verdade os humanos são como pequenos experimentos de seus próprios subconscientes, não me é longe dizer que é como uma brincadeira, muitas vezes de mal gosto como estar pelado na escola ou sentir que está caindo, que somos submetidos toda noite.

Uma garotinha está adormecendo… Força, sonho! Ela precisa de você.

Mas e a utopia? Essa é como um sonho que a ciência aprovou, a utopia não é uma brincadeira mental, ela é uma ideia que propõe caminhos reais, não existe um modo ou caminho a trilhar para que os objetos falem com você como nos seus sonhos, mas existe um caminho e um método para que o socialismo seja adotado, ou para que o nazi-fascismo se torne natural, tudo depende de como você e suas confusões mentais operariam.

Quando eu passei a discutir política, fugindo do aspecto impossível do socialismo utópico e utilizando de base as experiências socialistas do sec XX, eu percebia que essa ideia não teria nunca uma chance de acontecer porque sempre haveria um mal, que neste caso seria a própria ganância dos homens, sendo assim para que diabos serviria essa tal de utopia?

Ok, não peguem tão pesado com o Kira de 18 anos só porque hoje eu sei para que serve e como funciona, mas naquela época as coisas eram bem mais cinzas do que hoje. Foi depois de muito dialogo e leitura sobre movimentos de esquerda e suas muitas formas que eu entendi como funcionava essa ideia de utopia e desde então eu percebi que a gente passa o tempo todo procurando essa utopia, parece que é quase um sintoma de ansiedade e eu percebi ali que dei uma volta enorme para entender que o que eu tanto achava estranho nessa utopia era simplesmente o otimismo e a busca pela felicidade, talvez a mesma que Locke havia escrito, mas a chave do termo é a palavra “busca”. A gente “corre” atrás, “faz” por onde, “busca” melhorar, “procura” coisas melhores e tudo isso aqui é possibilitado pela nossa utopia, primeiro a gente precisa sonhar, imaginar, criar, se deixar contaminar pela ideia e então a gente busca, corre, procura e faz.

A utopia política de um socialismo é muito mais fácil de explicar e por isso o trecho era tão pequeno naquele livro tão chato, você cria ideais e a partir deles é que trilha os caminhos políticos, o seu ideal é o transporte público gratuito e de qualidade? Então precisamos desta utopia para que o caminho seja pavimentado. Mas a utopia pessoal foge demais a essa regra, ela não é tão fácil como um transporte público, a nossa utopia pessoal pode ser abatida por diversos fatores a nossa utopia pessoal é muito mais próxima de um sonho real e aqui de novo se encontram os sonhos e as utopias.

Mais tarde já na faculdade eu aprendi sobre as maneiras de escrever a História e apesar de muita Escola dos Annales, eu aprendi sobre a teoria marxista e o positivismo, até aqui tudo bem, eu entendia que essa história de utopia era coisa de socialista e a direita queria mais é que as coisas voltassem a ser como era antes e essa era a base limitada do meu pensamento, mas apesar dos muitos nomes, o dito positivismo tão utilizado hoje pela direita, principalmente pelas forças armadas do Brasil “Ordem e Progresso” nada mais é do que uma utopia de “de direita” e foi nesse dia que eu aprendi que a utopia não é coisa de socialista, a utopia é que nos mantem seguindo em frente e isso aqui é tão complexo que pode vir a render tantas interpretações diferentes que a minha cabeça simplesmente vira um trevo.

A utopia nos mantém seguindo caminhos, ok, mas isso é de fato bom? Ela não nos faz sofrer cada vez mais buscando algo, literalmente, utópico? Ou é justamente essa busca sonhadora e impossível que nos faz realizar feitos que antes achávamos impossíveis? Eu acreditava que um dia sairia da minha cidade natal e isso me manteve com uma chama acesa dessa vontade, ou seja, essa ideia utópica me manteve vivo neste sentido e quantas outras mais existem aqui dentro e eu as vezes esqueço? Ou dentro de você que leu até aqui, quantas ideias você tem ai dentro que você finge que são impossíveis?

Eu termino esse texto um pouco sem saber o que é possível e impossível, mas o brilho da utopia nos faz seguir dia após dia buscando algo melhor ou talvez seja só bobeira de um sonho tão denso que se tornou um pesadelo, principalmente literário e sentimental.

“A mi ya me iba mal de antes

Ultimamente fumo e bebo um montón

Me alimento a base de bocadillos

No hago ejercicio y me falta um riñon”

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