Ei mamãe, sou um Alien! Como você não percebeu?

Kira Yagami
7 min readOct 15, 2023

Eu poderia chamar de “dinâmica social” mas prefiro chamar de julgar os outros

Já não lembro mais quando foi que eu percebi que eu não gostava do comum, talvez seja um daqueles erros dos pais que eles nem sabem e formam a nossa personalidade, talvez tenha sido alguma coisa que eu li e não soube interpretar mas desde que eu me lembre eu tinha vergonha de expor meus gostos, sejam músicas, filmes ou mídias desse tipo. Eu sempre tive vontade de escrever sobre a minha pré-adolescência com todos os medos e percalços, todas as questões urgentes que sempre puderam esperar e que esse texto se tornasse um texto sobre adolescência e quase passasse a limpo um diário, mas seria egocentrismo demais escrever tanto tempo sobre a minha própria vida, então, eu decidi olhar a vida dos outros.

Analisar e teorizar sobre algo deve ser a coisa que eu mais faço durante a vida, seja algo pequeno, seja algo enorme, elaborar hipóteses, calcular situações, há quem diga que é o lado virginiano, mas eu prefiro acreditar que eu só gosto mesmo de estratégia, análise, simulação e controle, colocados dessa forma parece extremamente ruim, mas acaba de certa forma ajudando. No fim, acredito que eu e todo mundo mais é só a soma de situações, erros e acertos e a maneira com qual lidamos com eles, esse texto teria ares muito mais oníricos e utópicos se fosse escrito cinco anos atrás.

Durante quase três anos eu fiquei longe da minha cidade natal no interior do Rio de Janeiro, eu vi a grandiosidade desumana de São Paulo, em sua melhor e pior forma, desde as conveniências da cidade grande até a rapidez com que são resolvidos suicídios no metrô, inclusive, aprendi a andar de metrô, algo que a minha pacata cidadezinha não deve receber por algumas dezenas de anos. Pela quantidade exorbitante de pessoas, é bem raro que você se sinta algo a mais, você tem plena ciência que é só mais um, mais um no trânsito, mais um com problemas, mais um atrasado, mais um que não saiu de casa com guarda-chuvas, mais um que decidiu se vestir de preto, mais um que decidiu votar pela esquerda, mais um que decidiu se decidir. São Paulo tem o capricho de sempre lembrar a você que o mundo não gira e nunca vai girar em volta de você e colocado dessa forma parece uma maldade, mas, é dessa forma que se constitui a realidade, você realmente é só mais um e isso pode ser difícil de entender pra quem busca uma dita autenticidade.

Eu acho divertido até hoje lembrar e pensar em situações que eu passava lá e não passo mais e o contrário também me entretêm, coisas que nunca aconteceriam lá e aqui eu tenho que lidar. As sociedades dos dois lugares são parecidos em si, mas são dispostas de forma diferente, ocupam espaços diferentes, aplicam sentidos diferentes. Lembro de perder algumas tardes pela Liberdade em São Paulo, bairro voltado a cultura japonesa muito conhecido na cidade, voltando um pouco mais, porque a cultura japonesa? E aqui se volta a construção do meu próprio eu, eu não passei a gostar dessa cultura quando li “Os Japoneses” da Célia Sakurai e fiquei maravilhado pela cultura, eu fui vítima (uma deliciosa vítima) do softpower japonês, até hoje eu carrego isso comigo, em algum lugar eu ainda sonho em conhecer Tokyo. Sendo assim eu estava lá admirando a beleza das luminárias japonesas quando vi um grupo de jovens vestidos de um jeito que o meu eu de 14 anos adoraria estar, logo depois eu vi mais um grupo e outro grupo se seguia e isso me fez pensar como esses 3 grupos seriam vistos na minha humilde cidadezinha e cheguei a obvia conclusão de que seriam muito bem quistos pela parcela alternativa da cidade, e isso automaticamente mexeria com o psicológico deles, seriam vistos, copiados, adorados e a partir de então decidiriam como se portar, seriam legais com novos integrantes? espalhariam a cultura e as ideias? Essas respostas ficam pro Kira do passado que nunca vai saber responder. Mas o Kira do presente sabe responder que em São Paulo eles seriam só mais um, só mais um grupo de otakinhos, de cabelos pintados, de cosplays, de maquiagens diferentes e eis aqui a maneira como as sociedades se dispõem, no contexto de uma metrópole eles não são copiados, eles copiaram uma fonte que outros também vão copiar e já na cidade pequena, há uma maior dificuldade com que mais de um grupo se destaque, por conta da quantidade de pessoas e assim, se tornando uma coisa um pouco única ou autêntica criam-se as dinâmicas sociais.

Autenticidade a todo custo

A autenticidade é um conceito que quase todo mundo busca e se desespera quando acha que perdeu, mas a verdade é que raramente se tem de fato. Essa autenticidade se aplica a contextos que quando mudam, levam junto a autenticidade. Falando de caso vivido, eu não me lembro de outro moicano punk na cidade onde nasci, mas em São Paulo eu fui chamado de punk até mesmo pelo mendigo da rua, eis aqui perdida a autenticidade, encarar isso faz parte de crescer como um todo, há quem desgoste de perder isso, há quem encare como mais um dia e claro, há quem fuja disso como pode, mas acaba sendo levado pelo tempo. Quase todas as nossas rebeldias, opiniões, conceitos, achismos e teorias já apareceram na sociedade, mas talvez de formatos diferentes, em contextos diferentes, mas a gente teima em achar que a gente quem inventou a rebeldia, a opinião, o conceito o achismo e a teoria. Eu ia dar o título de “Como Nossos Pais” a este texto, mas achei forçado demais, já que não é disso que a música fala de fato, mas de certa forma, retirando-a do contexto, esse trecho explica muito da busca pela autenticidade e parece inclusive uma piada psicológica, quanto mais você tenta quebrar o ciclo mais você entra nele e se aplica a ele. Geralmente durante a adolescência nós descobrimos nossos gostos, sejam relacionados a música, as pessoas, a sexo e tudo mais, essa é a importância da autenticidade, te tirar do contexto padrão, mas nada impede que você esteja criando outro tipo de padrão, ainda assim é um padrão.

Mas afinal você faz isso sozinho? Não, geralmente nós buscamos a tribo, o grupo, o estar junto a pessoas que julgamos que sejam boas para nós, as vezes melhores para nós e com isso acaba-se criando o grupo, o grupo do que? as vezes a gente não sabe, mas acaba sendo nosso espaço social, onde somos entendidos, onde buscamos aprovações que em certo momento da vida, são importantes. Nós somos capazes de quase tudo pelo nosso grupo porque durante um momento da nossa vida essa é a coisa mais importante que temos, dado o meme “os amigos que fazemos no caminho” e algumas vezes a gente confunde os amigos com a busca pela autenticidade, com a busca por ser diferente enganando a nós mesmos que no fim não estamos fora de padrão nenhum, mas dentro de outro padrão que criamos, ou seja, não se há um padrão correto, não há dress code correto, não há gíria correta, só há seu grupo e quem está ao seu lado e os que não são seu grupo e não estão ao seu lado. E é dada essa importância que se cria a ideia que tantos jovens de cidades pequenas tem, de que as pessoas da cidade pequena são ruins, são isso ou aquilo quando na verdade, por não ter outro grupo a se apegar, a se colocar, a se adotar, se vê perdido e sem contexto, sozinho, solitário e dessa forma, se expressa a frustração.

I’m walking here!

Outro ponto importante é o espaço e território que os grupos ocupam na sociedade, numa metrópole é bem comum que o mesmo espaço que abriga festas de pagode ou funk, abrigue também um festival de rock, isso cria um mainstream de nichos, quanto mais você se aprofunda, mais espaços nichados você encontra, é o caso da Audio na Barra Funda onde costuma receber o nicho mais indie, foi o lugar do show do Molchat Doma no Brasil com impressionantes 3 mil ingressos vendidos. Os espaços são importantes para a caracterização do grupo, o grupo que ouve Molchat Doma dificilmente vai procurar ouvir uma roda de samba na Pedra do Sal, os espaços demarcam territórios que o nicho defende.

Na cidade pequena isso se aplica de maneira diferente (sociedades iguais, aplicações diferentes), não há população suficiente para tal, o Molchat Doma venderia 100 ingressos se viesse tocar em Angra dos Reis, mas a gente acha tudo bem ver bandas de rock genéricas, justamente porque se sente que o nicho está sendo delimitado e muito bem defendido, já que a banda genérica normalmente é ampla em gostos, uma coisa como “chegou a nossa vez”, a nossa quem? chegou por quê? O próprio termo rock é essa divisão, é muito comum quem não gosta ou não faz parte do nicho perguntar “Você gosta de rock? Você é do rock?” e você fica com dois pés atrás pra responder, porque você gosta, mas você não quer ser confundido com algo que você não gosta, seria meu pesadelo alguém achar que eu gosto de rock e me colocar pra ouvir rock progressivo por exemplo, aqui estou mais uma vez buscando a minha autenticidade, mas eu já entendi que ela só funciona pra mim.

Quando eu fiz 27 anos percebi que realmente estava ficando velho e ao contrário do que possa parecer, eu gostei disso, eu não vejo a hora de analisar e julgar a próxima geração e eu espero poder compartilhar sempre.

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Kira Yagami

ENFJ, Professor de história, baterista sem foco, Sage nas horas vagas.